oglobo: “A música lírica voltará a ser do povo”

“Nasci em uma favela da África do Sul e hoje moro na Alemanha. Estudei na Inglaterra e, assim, fui construindo minha identidade global. A África do Sul é um país de gente que canta. A música faz parte da nossa cultura, e muitas pessoas querem tê-la como profissão. Esta é minha primeira vez na América do Sul.”

Conte algo que não sei.

Fui a primeira soprano, e talvez a única, a misturar a língua xhosa com a orquestra, no álbum ‘Sound off hope’. Neste dialeto, as consoantes soam como um clique que, acredito, foi desenvolvido para aproximar os homens dos animais. Xhosa foi meu primeiro idioma, apesar de ter sido alfabetizada em inglês. Sem dúvida, esse é um diferencial que levo para minhas apresentações.

Como você vê a popularização da música lírica?

É importante que cada vez mais pessoas tenham acesso à ópera. Sei que o estilo tem essa questão de parecer pertencer à classe alta, mas é um pensamento errado. Historicamente, a ópera foi feita para o povo, era um momento de diversão e interação. Acredito que, no futuro, a música lírica voltará a ser do povo. Entendo que é difícil baratear apresentações, afinal, um espetáculo demanda muitos gastos de produção. Mas a ópera tem de ser democratizada, e um dos meios para isso é justamente investir nas crianças, para que elas se aproximem a esse estilo musical.

Você observa uma evolução nessa democratização?

Isso depende do lugar. Não a vejo de maneira forte em países onde não há tradição, como o Brasil. Na Alemanha, existem muitas opções de casas de ópera, então é possível observar a popularização. As óperas também estão sendo atualizadas, com temas que se aproximam da realidade e do entendimento de todos. A atualização faz parte desse processo.

Você criou a fundação Vumani Choral Project, para ensinar música a crianças, e busca fundos para mantê-la. Como esse projeto funciona?

Assim como no Brasil, na África do Sul e em muitas outras partes do mundo há falta de educação musical para as crianças, principalmente nos lugares mais pobres. Mas também existem pessoas que estão lutando para melhorar esse cenário. Na turma onde me formei, fui a única a ter uma carreira internacional. Foram poucos os que tiveram oportunidades. Então, ajudamos as crianças com aulas de música, para que tenham esse contato, e damos emprego aos profissionais. Estou sempre em busca de fundos para o projeto, que leva teoria musical a alunos de escolas públicas da África do Sul. Farei um concerto entre março e fevereiro, e o cachê será destinado à fundação.

Qual a importância desse tipo de incentivo?

Acredito muito na infância. Cresci em uma favela e sei que por lá elas ficam desocupadas por muito tempo, podendo ir para o mundo do crime. Acho que a melhor forma de se construir um mundo melhor é investir nas infância.

Você diz ser a única de sua turma a construir uma carreira internacional. A que você deve seu sucesso?

Sempre estive aberta a novas culturas. Mas esse mercado é muito exigente, e tem que se ter paciência e espírito aberto. Além de tudo, pede muito investimento, não apenas de dinheiro, mas de tempo. Você precisa se dedicar e acreditar na própria carreira, e muitos param no meio desse caminho. Eu persisti.

Como você avalia a cena negra e feminina na ópera?

São poucas mulheres conduzindo óperas, não sei explicar o motivo. Além disso, a ópera é um gênero basicamente europeu e, por isso, vemos menos negros na carreira.

Oglobo